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Psicanálise

O tratamento psicanalítco tem por objetivo investigar os processos mentais, inacessíveis a consciência. Processos mentais que não podem ser controlados. Estamos falando da atuação do inconsciente no dia a dia, na formação de sintomas e sofrimentos. Praticamente 95% do aparelho psíquico está sob o domínio do inconsciente e apenas 5% da consciência.

A psicanálise estuda e trata essa imensa porção que controla o ser humano.

O ser humano é sujeito desejante. A pressão que esses desejos realizam no aparelho psíquico é extradiordinária. No entanto a formaçao psíquica se constitui também de desejos destrutivos. Pensando nisso, a Psicanalista Fernanda Nascimento escreveu um artigo sobre a inveja.

No texto a inveja é observada de forma como se apresenta no cotidiano e sua resultantes. Mas qual será a importância  do sentimento invejoso!

                                                                Inveja minha inveja                                              

                                                             

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A prosperidade alheia

 

Um desses sentimentos, por exemplo, é o da inveja. A frase de Nelson Rodrigues “Amigos verdadeiros não são aqueles que te acompanham nos momentos ruins de sua vida e sim aqueles que suportam o seu sucesso", exemplifica quanto a inveja está ao redor e pertence quase que a rotina, muito mais do que se imagina.A proposta aqui é refletir se realmente as pessoas se incomodam com a prosperidade alheia. E caso seja afirmativo, qual seria a reação subsequente? Talvez mais interessante fosse causar movimento na própria vida ao invés de invejar o seu colega ao lado. Será possível controlar esse sentimento que todos conhecem, mas que poucos admitem tê-lo? O que faremos então? Interessante é perceber que as pessoas vivenciam a inveja e falam dela, mas utilizam outros nomes, já que a inveja é tida como sentimento repulsivo - o máximo que podem admitir é ter inveja boa e o interessante é que esse termo (inveja boa) além de ser incorreto não existe.Portanto, a fofoca que é uma ferramenta para depreciar além de tencionar o controle ilusório do seu alvo e o ciúme – sentimento onde se idealiza eliminar a pessoa que supostamente pode estar ameaçando o relacionamento - são diferentes nomes para se referir à presença da mascarada inveja.Saber que a sociedade tende a aceitar melhor a fofoca e o ciúme e condena a sua manifestação pura não evita a atuação do invejoso. Reprimir nunca é a solução. A violência das manifestações varia muito. Desde uma simples tentativa de destruir o outro com palavras, causando intrigas até a destruição de fato.

 

Melanie Klein e a primeira inveja

 

Segundo Elisabeth Roudinesco em seu dicionário de psicanálise, Melanie Klein introduz pela primeira vez o termo inveja em 1924, atribuindo esse sentimento a desejos inconscientes de destruição ao objeto no qual há relacionamento. A primeira manifestação da inveja já no nascimento seria, portanto contra o seio materno. Quando o bebê nasce ele é expulso de um paraíso onde não sentia fome, dor, sede ou qualquer vicissitude. O aparelho psíquico dele ainda não pode perceber a existência de si mesmo e muito menos de um outro. As suas primeiras relações, na grande maioria da população, são com suas mães que lhes oferecerá o seio para aplacar a fome e sanar tal desconforto.Tem-se, portanto uma relação de total dependência, onde o bebê sobreviverá apenas se a mãe ofertar seu leite e carinho. Esse é o protótipo das primeiras relações que influenciará o adulto em maior ou menor grau nas suas relações futuras. No imaginário do bebê, a mãe, conforme vai se constituindo como um ser separado dele, possui a totalidade das coisas. O bebê tem a fantasia que a mãe contém a completude que ele sentia no útero e ao mesmo tempo ele se percebe incompleto. A corrida se inicia, o bebê quer retornar a sensação de perfeição e o alvo será o seu único objeto de relação: a mãe.O sentimento que nasce no bebê diante dessa ilusão de “tudo ou nada” é a inveja. Invejar é querer destruir o que o outro tem, de forma a acabar com a relação de dependência. Portanto, quando o bebê sente fome e a mãe não está lá no exato momento de sua fome, o seio pode ser recebido com mordidas e beliscões. Essa reação segundo Melanie Klein é a existência da inveja primária.No ínterim entre a espera e o momento de saciar a sua fome, o bebê começa a fantasiar sobre a inveja e através do seu pensamento mágico acredita que pode e está destruindo o seio (continente do tudo). A inveja primária então é inerente ao ser humano e esses registros são arquivados no inconsciente de todos. Quando há inferência a palavra inconsciente é uma alusão de desejos que não podem ser controlados e nem percebidos. A existência dele só pode ser observada através das reações.Todavia, a todo o momento em que o ser humano é colocado frente a algo ou alguém a quem acredita que possui mais do que si, a inveja pode ser acionada. Não se inveja apenas a prosperidade, mas também as capacidades contidas no outro.Sempre se inveja o que é bom, já que trata-se de uma imitação do primeiro modelo mãe/bebê. Como dito a cima, não existe inveja boa já que esse termo está sempre relacionado à destruição, tentar esvaziar as capacidades do outro, esgotar suas conquistas. Suportar o sucesso de alguém é estar em constante encontro com os próprios sentimentos invejosos. A grande maioria dos bebês enfrenta esse conflito, suporta a inveja e continua o seu desenvolvimento.

 

No adulto

 

Para Melanie Klein a seqüência maturacional e emocional somente pode ser conquistada de forma satisfatória caso o bebê sustente pequenas doses de inveja sem provocar destruições mesmo que imaginárias no seio ou em outro objeto no qual esteja se relacionando. Quando se fala em objeto nesse texto, refere-se a uma palavra técnica em psicanálise que significa tudo, seja uma pessoa ou coisa que fazem parte da relação. Importante compreender é que as destruições em fantasia e obviamente não na realidade ainda sim são inveja.No entanto lidar com a inveja não é algo tão simples. Esse sentimento dispara a ansiedade e se para um adulto conte-la é sabido a dificuldade, imaginem para um bebê que ainda não tem completa noção da realidade e se depara com um meio assustador e desconhecido.Existem mecanismos internos que defendem o sujeito dessa ansiedade e uma das formas encontradas pelo aparelho psíquico é expulsar esse mal angustiante de dentro e depositá-lo no meio ambiente. Quando isso ocorre, o meio externo passa a ser sentido como perseguidor. O individuo observa, por exemplo, um grupo de pessoas conhecidas e sente que esse grupo está falando mal dele. Essa sensação é proveniente da inveja, mas passa a ser depositada em caráter defensivo na realidade. Em verdade esse grupo de pessoas não está comentando sobre o sujeito, mas o sentimento interno de que o meio ambiente oferece perseguição é intenso a ponto de se acreditar nessa fantasia.Nota-se que relacionar-se com um indivíduo portador de grau considerável de inveja torna-se bastante dificultoso, já que é comumente aceito buscar em um círculo social de pessoas com afinidades de pensamentos e, facilmente, esse sujeito pode vir a ser alvo de inveja logo que esse represente algo admirável.O invejoso apresentará dificuldade em poder usufruir das boas coisas da vida, de amigos que possam proporcionar momentos agradáveis e sentir prazer por elas, valorizar pequenos feitos e realizações. Cabe lembrar que todas as movimentações desse sujeito estão para tentar eliminar a diferença que possa existir entre o eu e o outro. Já que não se tem posse de algo que se deseja, a tentativa será destruir, pois assim a equação se igualaria.Somente quando se percebe que a vida não é perfeita é que se pode aproveitar a realidade em si e usufruí-la, tendo gratidão pela vivência. Se o sujeito se fecha em si, afasta os outros e é incapaz de saber aproveitar os prazeres, pode-se estar de frente para inveja. Exatamente da mesma forma que o bebê tenta encontrar a sua completude e acredita que a mãe está completa, a pessoa que cria ilusão de perfeição - de casamento, carreira profissional, filhos, empreendimentos perfeitos e plenos -, está fadada a não gozar a vida. Essa forma de pensar impede os prazeres já que essa caminhada é impossível de ser realizada.A clínica psicanalítica tem por objetivo levar o individuo a se relacionar com a realidade e aceitá-la. A ideia é trabalhar com o que se tem e realmente se pode. O filósofo grego Epicuro dizia “As pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o presente e encaram o futuro sem medo.” Seu objetivo era atingir a felicidade onde para ele seria a completa ausência de dor.Melanie Klein em sua obra “Inveja e Gratidão” apresenta a teoria que somente a gratidão é que pode ajudar o individuo a suportar a inveja. Conclui-se, portanto que ser grato diante da realidade é sem dúvida estar mais perto da felicidade. * Fernanda Nascimento é professora responsável pela formação psicanalítica na Escola Paulista de Psicanálise (http://www.apsicanalise.com/index.php) onde ministra grupos de estudos dos principais teóricos da psicanálise como Sigmund Freud, Melanie Klein e Donald Winnicott. Também realiza atendimentos no Consultório Viva Terapias. Contato: http://fernandaterapias.wix.com/vivaterapias Referências Bibliográficas: KLEIN, M. Inveja e Gratidão. "Obras Completas de Melanie Klein: Volume III Inveja e Gratidão e outros trabalhos (1957)". Rio de Janeiro: Imago, 1991. u sou um parágrafo. Clique aqui para adicionar o seu próprio texto e editar-me. Sou um ótimo lugar para você contar sua história e para que seus visitantes saibam um pouco mais sobre você.

 

 

                                                                                                             *Psicanalista e Professora Fernanda Nascimento 

                                                                                               * Artigo publicado na Revista Psicologia Grandes temas do conhecimento número 6 da editora Mythos

 

Onde mora a felicidade?

 

Rotineiramente, nos consultórios e fora deles as pessoas buscam desesperadamente conexões. Sonham estar em ambientes onde se sentem aceitos e então imitam a manifestação do grupo.

Esse tipo de “vinculo” é comum, entre irmãos, amigos, pais / filhos e casamentos. São conexões formadas na aparência, na superficialidade e obviamente sem estrutura.

Cada uma dessas partes envolvidas busca a felicidade. É justamente aí que mora o perigo. A relação entre pessoas não é feita para proporcionar felicidade. Para ser feliz o sujeito pode ir viajar, jantar em um restaurante que lhe atraia ou ainda assistir a um bom filme.

Relacionamento é mais que isso. Vincular-se verdadeiramente é saber dividir, compartilhar, adiar seus desejos em certos aspectos (não os esquecê-los, apenas adiá-los), estar disposto a abrir mão de sonhos e da sua programação favorita.

É atender a fome do seu filho as 4horas da manhã mesmo sabendo que tem que acordar as 5hs para trabalhar. É segurar a mão do amigo quando ele tem que fazer um exame que o desespera bem na final do seu time. Relacionamento é sofrimento!

Conexões que se estruturam na base da verdade, respeitando a essência de cada um, o espaço de cada um, com todos os aspectos contaminados de cada um dos envolvidos, todas as limitações e malignidades de cada um dos envolvidos e ainda assim levando em consideração a necessidade do outro, somente esses superam os obstáculos.

Pessoas que se relacionam para ser felizes estão fadadas ao fracasso. São dois indivíduos narcísicos, egoístas que tentam coabitar o mesmo espaço (do trabalho, do casamento ou do boteco) que não aprenderam a fazer trocas. Apenas pensam em seus prazeres individuais e mais nada. Não adiam suas programações nem tampouco abandonariam a final de seu time favorito. Priorizam a si e choram por estar no vazio.

Dividir é trabalhoso, cansa e frustra. Aqueles que não estão preparados para lidar com isso jamais podem saber o prazer e a felicidade que habita ao transcender as vicissitudes de compartilhar. Como é prazeroso descobrir a confiança e segurança em laços realmente sólidos.

Talvez ai more a felicidade!

 

 

                                                                                                                                                                                                *Psicanalista e Professora Fernanda Nascimento

Apesar de frequentemente negada, a inveja é um sentimento que surge desde a infância e que deverá ser elaborada          durante a maturação do indivíduo.

A sociedade que se apresenta nos dias atuais parece ser baseada apenas no ter, fazer e adquirir. O ser humano parece viver um momento onde a posse das coisas é mais importante e estimulada perante a grande maioria das pessoas do que conquistas e desejos internos.

Muitos relacionamentos podem funcionar nesta base, onde a percepção do outro pode estar vinculada ao que ele proporciona em termos de aparência e não em suas verdadeiras contribuições emocionais. Enquanto a busca por um corpo perfeito se anuncia na caminhada de muitos, através de dietas, academias e ingestão de medicamentos que prometem grandes milagres, cada vez mais a importância com as emoções e a saúde mental vai se perdendo.

A grande ironia é que o impulso para adquirir um belo corpo, uma conta bancaria recheada e a posse de muitos produtos está em algo associado aos desejos inconscientes e como se reage a eles.Ao mesmo tempo em que a sociedade aceita certos padrões, atitudes e assuntos, tende a ser hipócrita quando são mencionadas as malignidades comuns aos seres humanos. A maioria das pessoas tenta se ausentar de observações dessa natureza. Os indivíduos, de modo geral têm grande resistência quando a psicanálise afirma que o mal está em todos e que a hostilidade, a vingança, tortura e inveja pertencem ao homem.

 

 

 

 

 

A sociedade atual busca de forma incessante uma vida tranquila, uma vida dita feliz. Portanto, há uma preocupação em alcançar a perfeição, que por si só já seria uma  ilusão. No entanto, segundo Roudinesco em seu livro A parte obscura de nós mesmos, há uma tentativa fantasiosa de acabar completamente com as perversidades e acrescenta uma reflexão de que esse desejo ilusório pode fazer com que a própria sociedade se aproxime das perversidades que busca extinguir.

Freud percebeu que já na infância todos carregam a vontade de fazer o mal. De forma espontânea essa hostilidade pertence ao ser humano e aparece nas situações como vingança e tortura. A humanidade tem traços de perversidade e, no texto freudiano “Os três ensaios da sexualidade”, o modelo proposto por ele sobre complexo de Édipo e Castração aponta que todos tiveram o desejo inconsciente de matar um dos genitores e ter a posse do outro de forma exclusiva e total. Em fantasia a criança quer afastar um dos pais, rivaliza com ele e procura através dessa estratégia conquistar o outro unicamente.

Encontra-se, portanto diante de um impasse: já que cada ser humano carrega a malignidade, o mal e a hostilidade, como ele mesmo pode dar cabo das perversidades? Falando em linhas gerais, as regras sociais e a civilização em si acabam impondo certos limites que freiam esse desejo perverso. Nesse sentido a impunidade ou a certeza da impunidade pode ser uma das respostas para o homem estar inserido em uma sociedade dita perversa. Em uma reportagem de homicídio (Gazeta da Ilha do Piauí, 1º de abril de 2013), como tantas que todos os dias são apresentadas, um menor disse para os policiais que o prenderam, que enquanto não completar 18 anos iria continuar matando e que não tem medo da prisão.

 

Duas concepções de perversão

Mas o que é perversão? De acordo com texto de Freud “Os três ensaios da Sexualidade”, o termo perversão foi utilizado para indicar todo comportamento sexual diferente da união dos órgãos sexuais masculinos e femininos. Nesse artigo, Freud propõe que todo e qualquer desvio do gênero seria classificado como aberrações sexuais e considerado fora da normalidade. Posto isso, há que se diferenciar dois conceitos: a perversão vista pelo aspecto de energia sexual e a perversão vista pelo aspecto do caráter de malignidade e crueldade.

A definição da palavra perversão vem do latim, “pervertere” que significa: por às avessas, desvirtuar, desviar, corromper. Fica estabelecido o conceito “ter prazer em destruir” para delimitar nesse trabalho o que será perversão.

A concepção freudiana da perversão relacionada à energia sexual – libidinal -, em 1987 dá lugar às chamadas parafilias (práticas sexuais antes qualificadas como perversas, mas também fantasias perversas). Exceto pela pedofilia e exibicionismo, as parafilias não estão relacionadas a atos considerados pela lei como crimes ou delitos.

A palavra perversão relacionada ao prazer em destruir está diretamente relacionada ao sadismo (não de ordem sexual, mas comportamental) e mais recentemente sede lugar ao termo comportamento antissocial. Seria interessante esclarecer que popularmente é comum se referir a pessoas que são extremamente tímidas como sendo antissociais. O conceito psicanalítico para os severamente introvertidos podem estar relacionados à fobia social.

 

Reconhecendo a própria perversão

A natureza humana carrega a perversidade, como foi dito antes: o mal está no homem. Obviamente existem graduações da perversidade, vão desde traços perversos até seu extremo de tendência antissocial. Alguns traços de perversidade estão presentes na natureza humana, mas aqui o texto se refere a aspectos que vão além do uso eventual.

Uma idéia que sempre surge é que as pessoas retiram a própria responsabilidade do tema perversidade e direcionam a um mesmo denominador “os psicopatas”, os criminosos, os terroristas. É a ideia de que o mal está no outro e não em nós mesmos.

Mas essas pequenas perversões, diárias, pequenas talvez, silenciosas são menos importantes? Quando idosos estão no ponto de ônibus e os motoristas não param para eles não seria uma perversão? Quando um grupo de pessoas se reúne achando que tem o direito de interferir no espaço, na intimidade e no desejo do outro não seria uma perversão? Casos, por exemplo, onde homossexuais foram agredidos simplesmente porque alguns se acharam no direito de interferir no espaço do outro não seria uma perversão? Autoridades de qualquer espécie, que utilizam o seu poder para corromper e obter vantagens não poderiam ser encaradas como perversão?

O diferente incomoda e quando não entendemos o outro, a reação é muitas vezes a destruição. O bullying tão falado nos dias atuais é mais um exemplo de como a perversidade está próxima - não necessariamente estamos falando de psicopatas em ação.

 

Perversão destoante e suas explicações

Para além de traços mais ou menos comuns aos seres humanos, há também os chamados sujeitos perversos, que possuem uma estrutura psicológica perversa, com uma dinâmica mental e um perfil específico.

De uma maneira bastante superficial, de acordo com David E. Zimerman no Manual de técnica psicanalítica fica estabelecido que: “Quando se usa o Outro como Objeto estaríamos diante da perversão”. (página 269)

Portanto, o contato com o outro de maneira distorcida seria perversão e tal condição pertence exclusivamente ao homem. No reino animal a ausência de delitos, crimes ou tortura são completamente ausentes, já que não se tem a intenção da destruição e nem a ciência do fato em si.

Arthur Hyatt Willians (em sua obra Crueldade, Violência e Assassinato) observou que o homicídio sádico possui evidências de uma fantasia pervertida em que o prazer sexual é equiparado a destruição. Nesse sentido, pode-se assinalar que componentes sádicos, presentes na fantasia de toda criança, parecem estar presentes da criminalidade adulta.

Existe um sentido na organização perversa que seria o de manter a identidade do individuo. A palavra identidade indica que o sujeito tem percepção das suas experiências, continuidade de si e sensação de limites do meu próprio corpo, onde começo e onde termino. Portanto a perversão seria uma organização para manter a subjetivação da pessoa, sua identidade.

A formação da estrutura perversa de pensar seria iniciada em uma relação mãe-bebê marcada pelo desamparo ou devido a falhas ambientais onde a maternagem não teria chance de ser “suficientemente boa”. Esse termo proposto por Winnicott faz alusão à relação mãe- bebê onde haveria uma comunicação silenciosa entre ambos, intuitiva, onde a mãe conseguiria entender as necessidades do seu filho se a necessidade de verbalização. A mãe suficientemente boa também falha, mas a grande importância é que ela realmente tem uma conexão com o filho e o ajuda a se desenvolver emocionalmente. A relação mãe-bebê tem como uma das principais funções gerar confiança, segurança e sentimento de continuidade de si. O bebê que vive uma situação sentida por ele como abandono poderia, portanto desenvolver, entre outros, uma estrutura perversa.

O já referido rapaz que afirmou que irá continuar matando e que a prisão para ele não é nada, também fez a seguinte declaração na mesma entrevista: “Eu mato mesmo, porque foram, na casa do meu pai, atiraram na minha família e nada aconteceu. Eu era quieto, foram mexer comigo, agora tem que sustentar. Vou botar para pegar até o último.”

A intenção aqui não é justificar o perverso, seus atos ou crimes, e sim entender a perspectiva psíquica da pessoa. A perversão sempre resultaria de preencher uma falta de algo ou alguém do passado. O perverso então tem como solução a busca por um companheiro que completaria a ilusão que ele procura.

Citando novamente Winnicott, em seus estudos sobre tendência antissocial, o individuo se volta para que o meio ambiente se preocupe com ele e, através dos seus atos de delinqüência, se mostra ao meio e protesta de forma totalmente inconsciente e, portanto, incontrolável algo que em algum momento de sua vida de bebê lhe foi privado. Algo tão importante e necessário que causou uma marca intensa e muitas vezes irreversível. O sujeito passa a externar essa cicatriz fazendo com que as pessoas o notem, mesmo que essa observação seja de medo e repulsa. Cabe lembrar que o pensar e a forma de se relacionar estão com base no “amor impiedoso” onde não existe preocupação com o bem estar da outra pessoa. Quando Winnicott usa esse conceito ele propõe que toda a relação de satisfação, prazer está diretamente associada a certo esvaziamento, destruição e uma dose de agressividade. Quando o bebê mama ele retira o leite da mãe e eventualmente pode morder o seio, arranhar e, portanto machucar a mãe. Ao longo do tempo o bebê se conscientizaria disso e passaria a tomar cuidado para não destruir o outro adquirindo o medo de perder. Amar impiedosamente é quando o individuo pensa somente na sua satisfação e ignora a preocupação com o outro.  Esse elemento faltante, se não adquirido, pode gerar sérios problemas para o individuo e mais ainda para aquelas que o circundam ampliando para a sociedade como um todo.

O agir antissocial é uma forma de reivindicar do meio externo suas ausências e angústias que nem tiveram chance de serem nomeadas. David E. Zimerman propõe que o sujeito perverso prefere o mundo das ilusões e pretende impor aos outros essa preferência, o resultado disso é que não compartilham da realidade civilizada.

 

Tratamento

O tratamento do paciente perverso consiste em tentar redirecionar a forma como ele se relaciona com o mundo. Ele sente-se absurdamente ameaçado pelo meio e desesperadamente tenta fugir de suas ansiedades, do medo de cair no vazio, do desconhecido e do aniquilamento de si.  Defende-se do desamparo e do incontrolável. A clínica da perversão é bastante densa e complexa. Segundo Winnicott, o tratamento juntamente com a psicanálise deve estar associado a alterações no ambiente ou ainda passando por possibilidades de internação quando o quadro for mais severo. Outro impasse é que os indivíduos buscam análise e tratamento quando estão em sofrimento. O paciente perverso não apresenta grandes conflitos internos o que é um impeditivo para a busca de psicoterapia. Quando chegam ao consultório à demanda é proveniente da sociedade não do mundo interno, não deixando grande margem para atuação do profissional.

 

 

 

 

 

* Fernanda Nascimento  Psicanalista e Professora

 

                                                                                                  * Artigo publicado na Revista Psicologia Grandes temas do conhecimento número 8 da editora Mythos

Os Sofistas: Suas práticas e a psicanálise

 

Resumo

Este artigo pretende mostrar a proximidade entre as práticas da escola Sofista da Grécia antiga com a pratica psicanalítica na sociedade contemporânea, e dessa forma, desmistificar o conceito negativo do termo sofista.

Diante disso será observado que o psicanalista é um sofista no que se refere a sua técnica linguística, e suas habilidades discursivas, tornando-o competente em suas atividades, portanto assim como os Sofistas, o psicanalista dominam a técnica retórica.

 

Palavras-chave: Escola Sofista. Técnicas linguísticas. Retórica. Pratica psicanalitica.

 

Abstract

This article aims to show the proximity between the practices of the school Sophist of Ancient Greece with the practice psychoanalytic in contemporary society, and thus, demystify the negative concept of the term sophist. In addition, you will notice that the psychoanalyst is a sophist in relation to their linguistic technique, and their skills, making it responsible in their activities, so just as the Sophists, the psychoanalyst mastering the technique of rhetoric.

 

Keywords: School Sophist. Linguistic techniques. Rhetoric. Practice psicanalitica.

 

 

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1- Quem eram os Sofistas?

 

Os Sofistas eram sábios que atuavam como professores e viajavam de cidade em cidade ensinando seus conhecimentos mediante o pagamento dos jovens dispostos a adquirir em conhecimento. Os sofistas eram considerados mestres na retórica e faziam uso da polimatia, que significa se posicionar sobre qualquer assunto.

Os principais Sofistas foram: Protágoras, Híppias, Górgias, Isócrates.

O termo Sofista significava sábio, pois esta palavra deriva das palavras Sophia e Sophos, que significa sabedoria ou sábio, porém com as oposições de Platão e Aristóteles o termo Sofista adquiriu um significado de desonestidade intelectual, pois, definiu a sofística como "a sabedoria (sapientia) aparente, mas não real”.

 

Para Platão, os sofistas ensinavam a argumentação a respeito de qualquer tema, mesmo que os argumentos não fossem válidos, ou seja, não estavam interessados pela procura da verdade e sim pelo refinamento da arte de vencer discussões.

 

 

 

2- As Práticas Sofistas e a Psicanalise.

 

Oposição entre natureza (phýsis¹) e cultura (nómos²).

A Maior parte dos Sofistas, tinha o interesse filosófico concentrado nas questões do homem e da Natureza, isso significa que para eles o que é dado para o homem por Natureza, não pode ser mudado, como por exemplo a necessidade de se relacionar sexualmente, ou se alimentar.

O que é dado por cultura pode ser mudado, como por exemplo a escolha do parceiro ou parceira, ou a escolha de que alimento vai lhe satisfazer.

Partindo desses dois pontos pode-se observar que para Sigmund Freud, o que o homem tem por Natureza são seus impulsos naturais do inconsciente batizado por ele de “ID”, no qual se busca da satisfação ou descarga de acordo com o princípio do prazer, o “Ego” e Superego que recebe interagem, satisfazendo, transformando ou reprimindo de acordo com o princípio da realidade, que é a parte moral do psique e representa os valores da sociedade.

 

Relativismo.

Para os Sofistas, tudo que se refere a vida pratica é cultura, portanto pode ser mudado, colocando em dúvidas normas e leis quanto a necessidade, pois para eles algumas leis podiam ser ou não pertinentes a uma determinada sociedade. Para Freud a personalidade cresceria saudável mediante a liberdade das satisfações dos instintos. Afirmavam não haver uma verdade absoluta, diziam que o que existia eram opiniões. Segundo o pensamento de Protágoras “o homem é a medida de todas as coisas”, significa que, para ele cada homem seria a medida de sua própria verdade.

Dessa forma Freud considerava a Consciência moral, noção geral da Ética clássica um mero dispositivo de segurança, criado coletivamente para proteger a ordem civilizada.

 

 

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¹ O princípio da evolução ou do progresso, na natureza, a natureza enquanto fonte de progresso e evolução.

² Relação com o que era adquirido pelo costume.

No livro the closing of the american mind, o autor Norte Americano Alan Bloom, destaca que Freud considerava que:

“Os homens aceitam o princípio da realidade como algo áspero, desagradável e, essencialmente, pouco atraente, uma mera necessidade” (BLOON, Alan,1987, p.81).

              

3- A habilidade de argumentar mesmo que as teses fossem contraditórias a Polimatia¹ Sofista.

 

Com o desenvolvimento da democracia na Grécia antiga, os Sofistas inevitavelmente desenvolveram a habilidade de discursar a respeito de qualquer assunto, que chamamos de polimatia, com a finalidade de convencer a maior parte da Assembleia, e conseguir benefícios, mesmo que o discurso fosse contraditório, ou suas ideias fossem contraditórias a alguma lei ou princípio. Nem tão pouco se o que discursavam era verdadeiro, pois a intenção era conquistar o maior número de pessoas, mesmo por que a verdade para eles era relativa.

Dessa forma podemos observar essa característica natural dos sofistas em Sigmund Freud, pois ele mesmo ao desenvolver e utilizar algumas teses que revolucionaram as crenças cientificas ao estabelecer um entendimento especial as motivações do ser humano. Como Freud foi um revolucionário nessa área, suas teses exigiram muita habilidade retórica para convencer a comunidade cientifica.

O que faz Freud se aproximar do estilo Sofista é que ele parecia ter uma explicação sugestiva para tudo, possuía um grande talento literário e muita imaginação.

Por exemplo, como provar o uso da Hipnose nos tratamentos de pacientes com histeria? Freud faz então uso de suas teorias e pesquisas até descobrir que essa neurose era causada por lembranças reprimidas, de grande intensidade emocional, e com sua habilidade retórica buscou convencer a eficácia de sua descoberta.

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¹ Cultura pessoal, extensa e variada; erudição.

 

4- O Psicanalista é a presença do Sofista em nossa época.

 

Conforme declaração de Jacques Lacan

O psicanalista é a presença do sofista em nossa época, mas com um estatuto outro, cuja razão que saiu, que veio à luz, sabe-se porque os sofistas ao mesmo tempo operavam com tanta força e tão sem saber porque. O tanto de força repousa. Nisso que nos ensina a análise, que na raiz de toda ida (LACAN, Jacques,1965, p 345)

 

Jacques Lacan destaca a habilidade dos sofistas em saberem argumentar, mesmo diante do desconhecido, é nesse sentido que Lacan compara o psicanalista com os Sofistas, Lacan menciona que

 

O sofista é um magico, um ilusionista que fabrica Simulacros, que são construções que incluem o ângulo do observador, para que a ilusão se produza no ponto mesmo que o observador se encontra (LACAN, Jacques,1965, p 371).

 

Com essa declaração Lacan destaca a habilidade de construir argumentos capazes de convencer. O Sofista então nessa visão comparada com o Psicanalista, é aquele que domina a linguagem.

Portanto Lacan seria o único a levar em conta a quilo que teria sido uma teoria da linguagem desenvolvido pelos Sofistas.

 

 

 

 

 

 

 

 Referências Bibliográficas

 

LACAN, Jacques. O Seminário, livro 12 Problemas cruciais

para a psicanálise, Rio de Janeiro ,  Editora ZAHAR, 1965

 

BLOOM Allan, The Closing of the American Mind, New York, NY, Simon & Schuster Paperbacks.

*Alexandre Cardoso,  Graduando em Licenciatura em Filosofia, Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação, São Paulo- SP – Brasil.

Um gole de perversidade

Seja em proporções “normais”ou destoantes, atos perversos sempre foram cometidos ao longo da história da humanidade 

 

 

 

“O que mais aumenta a indignação contra o sofrimento não é o sofrimento em si, mas a falta de lógica do sofrimento.” Friedrich Nietzsche

 

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